(Leia escutando The Kooks. Dá um bom resultado)
Em qualquer dia da semana, ignorando a distância de 149.597.870.691 km, ou seja, uma unidade atômica, do sol sobre o humano julho, homens e mulheres tão próximos do chão, ardendo em seus endurecimentos caminham obedientes às coisas razoáveis.
E com se tudo estivesse atrasado, os ônibus sopravam poeira asfáltica nos sapatos e os carregavam numa mesma serena e violenta harmonia, a vida se tornando bela aos incompreensíveis olhos de homens e mulheres, raros cachorros de rua, muitos pombos e a praça da matriz. No modo das coisas vivas.
O hálito se confundia com os gases baforados por bocas, escapamentos e pensamentos fugidios – escapando-se como se vivessem o último dia, lançando-se incólumes a estação, compilando a realidade do mundo palpável.
Alguns se prolongam ali, alguns sobrevivem, outros se sucateiam, sentados nos bancos da praça, nos pontos, nas esquinas, rodapés rodopiando também suas desventuras e casos. O movimento perfeito: o amor, a angústia, a ferocidade, a piedade, a admiração, a tristeza, o orgulho, a indiferença e a oscilação humana; nunca tão presentes como naquele lugar, embebedados de compromissos, arrastados pelos pés, descobrindo a pólvora cronológica dos relógios. Vão se escondendo, um a um em suas cortinas, nos uniformes, nas pastas. Permanecer ali atento é como ter um leiômetro das coisas simples e complexas todas numa só.
As mulheres dançam o balé dos saltos encravados no chão ou sobre plataformas desestabilizantes, enquanto os homens pisam o chão em seus falsos couros e borrachas coreanas. Pisam com o pé, o pé que pisa o chão alcança a própria liberdade dos pés? Não importa, cada homem, cada mulher, assim como os cães, pombos, semáforos, lanches, bancos, roletas criam a sua própria identidade na matriz dos seus anseios.
São a sua própria chance. É o mais importante a fazer numa terra de homens.
O sol já não arriscava o momento, então o resto de prudência caiu transformando a cadeia de concreto e carne, pairando no ar a conseqüência de se armazenar em si mesmos (maltratando o silêncio). Já não eram, todos, os mesmos do sol. Se rebentariam agora, essa nova leva de passos, no escurecimento do dia, brilhando seus olhos sob os faróis, concentrando-se nas sandálias, espalhando-se sem pedir permissão, na pausa para o avanço nos pontos de ônibus ou descarregando sua vastidão… As prestações, o cinto de prata e a blusa de bicho, o salto desconforme e as pernas em balanço, as calças de malha em corpos desprovidos de formas, a sutileza dos cabelos e o arranhão na sobrancelha, as unhas raspadas, a comida no chão, as prestações de si mesmos no arco do fim do dia.
Era a urgência tranqüila, o gosto do nada na boca e a legitimidade tentadora de cada um. Isso altera e recomeça todos os dias como se o mundo fosse um lugar só, onde a exaltação do dia é a ressaca da noite que engole o dia, exaltando-se.
O tempo passava, passavam os pés, as vassouras varriam o antigo cinema e os salões de bailes memoráveis instalados ali, os edifícios históricos inexpressivos de agora, bem como o cenário diário, o caminhão recolhia os escombros e tudo o que parecera pronto esvaziava-se, deixando a praça nua para logo existir.
Os jornais empacotavam os prédios memoráveis do centro, os luminosos ocultavam as janelas e a cidade adormecia.
**lugullar**