20091205

Quarta parte: Igual a mim.


Eu já não aguentava mais seguir sozinho, caminhar de cidade em cidade, buscando suprimentos, destruindo corpos sem alma. Não havia mais ninguém vivo que possuísse consciência, só aqueles os quais eu não me cansava de de exterminar. Em algumas batalhas, eu havia saído ferido, muito ferido, mas, por ironia do destino, eu não posso morrer assim tão fácil, eu sou um zumbi, como aqueles que caem diante dos meus pés.





Em alguns momentos de solidão eu passava noites gritando por alguém vivo, em algum lugar. Ninguém, nunca ninguém. O interessante é que quando você se encontra por muito tempo sozinho, você busca alternativas para a solidão. Em alguns momentos eu era o rei do mundo. Eu tinha cidades inteiras em minha disposição, para o que eu fizesse o que eu bem entendesse. A falta de companinha me fez em certas ocasiões, atingir o extremo nível de loucura. Percebi isso quando me vi fuzilando zumbis, enquanto vestia somente roupas de baixo e gritava como se fosse um veterano de guerra após beber uma garrafa de whisky doze anos. Em outras vezes eu literalmente me camuflava no asfalto, pintando meu corpo inteiro de preto para rastejar entre hordas de mortos vivos. Segurava pra não rir da burrice deles, mas o melhor de tudo era gritar em um mega-fone: "corram seus animais, pois eu estou prestes a lançar uma granada bem no centro da aglomeração de vocês. Não querem correr? Tudo bem então". Daí eu via dúzias deles tendo seus membros despedaçados pela explosão enquanto sentava em uma cadeira de balanço e tomava cerveja quente e vencida, já que raramente existia luz elétrica disponível. Sem freezer, sem cerveja gelada. O apocalipse algumas vezes pode parecer mais horrível do que realmente é.





Andando por aí em meio aos meus momentos de play-ground pós-armageddon, vez ou outra eu me lembrava de que me acostumar a ficar sozinho era difícil. Assim, eu seguia, um meio-zumbi exterminador de pragas, vingador solitário. Vingador solitário? É, as vezes a solidão me deixava meu sentimental demais. Eu só cortava a cabeça de mortos-vivos e ainda achava graça nisso, releve o vingador solitário.



Eis que eu me encontrava em uma dessas cidades ainda em busca de gente viva. Como sempre, só encontrava corpos e mais zumbis. Até que no meio de minhas buscas em vão, encontrei um requício de resistência humana. Um acapamento parecido com aquele em que eu havia habitado uma vez. Uma dessas mansões antigas no centro da cidade. Eu imaginei que havia gente por ali, uma vez que as janelas estavam lacradas e só existia espaço para os canos de metralhadoras que ficavam à mostra, de prontidão caso aparecesse algo indesejável. Supus também que o acampamento estava ativo pois as metralhadoras se mexiam, como se estivesse alguém na vigília em tempo integral.



Pensei em me apresentar aparecendo em frente à casa, deixando minha espada no chão como mostra de que eu não estava ali para ameaçar ninguém. Nesses tempos, muitos desesperados tentavam saquear acampamentos em busca de mantimentos para sobriverem sozinhos, pois estavam perturbados demais para acreditar em sobrevivência em grupo. Eu definitivamente não queria virar uma peneira por me acharem ameaçador. Outro aspecto é que minha aparência não era das melhores, já que estava pálido e com os olhos avermelhados, devido aos efeitos do vírus em meu corpo. Eu era um meio-zumbi, poderiam disparar só por causa da minha aparência. Decidi arriscar. Eles me acolheram sem nehuma objeção. Muito estranho.



Após alguns minutos me apresentando aos refugiados (sem mencionar nada sobre meu estado), percebi que eles eram muito amigáveis. O grupo era pequeno na verdade, somente seis pessoas. Eles se chamavam por apelidos. Achei aquilo interessante, como se fosse um aspecto tribal. Já era de se esperar que os humanos após o fim do mundo regressariam ao seu aspecto de grupos autônomos e praticamente nômades. O líder do grupo, Tanque, era um militar de meia idade que lutara contra os mortos-vivos em um extinto complexo de resistência, na base militar da cidade. Era alto, forte e repleto de cicatrizes, como um vilão de filmes do Stallone. Haviam um casal de irmãos. Ambos eram atores em início de carreira. Astro era parecido comigo fisicamente, mas possuía a mente frágil, apesar de saber atirar bem o bastante para ser extremamente necessário. Veludo, sua irmã, de poucas palavras, mas de uma beleza exuberante, administrava os mantimentos. Cinza era um velho e rabugento metalúrgico que ficava encarregado da defesa da casa, já que sabia selar janelas e portas. O velho possuía uma grande afeição por Veludo, dizia que se parecia com sua neta. Japonês fazia a maior parte da vigília e era antigamente, professor de artes marciais. Possuía uma calma confortadora, mas quando necessário, pensava o quão rápido fosse necessário. E por último, havia Abs, o alcoólatra, que ficava a maior parte do tempo sozinho. Estranhamente possuía as mesmas afeições que eu. Pálido, rosto cansadoe entediado.

Abs, especialmente era um homem sem palavra alguma, reservado, como se houvesse algo de errado com ele, assim como eu tentava esconder minha condição do resto do grupo. Suspeitei de imediato de que aquele homem guardava algum segredo, que, por sorte, seria semelhante ao meu.

Após sinceras descobertas, percebi que eu não me encontrava mais sozinho, havia um outro morto-vivo consciente. Meu destino e o de Abs se cruzariam de maneira trágica.